Páginas

sábado, 16 de outubro de 2021

Se eu pudesse voltar atrás (2)

Li, num livro sobre budismo, que a principal causa do sofrimento é o apego. Olhando para trás na minha vida, vejo o quanto essa afirmação encontra fatos que a corroborem. Apego nem sempre tem a ver com pessoas ou coisas, mas pode até estar relacionado a uma posição profissional, um "nome", etc. Na questão profissional, o apego não me trouxe apenas sofrimento, mas uma dívida imensa que eu pago até hoje e que estará comigo por mais uns dois anos.

No início da vida profissional de quem vai para a faculdade o normal é começar aos poucos, com estágios nos quais vamos adquirindo experiência. Depois disso, aparecem empregos melhores e cada um pode ir subindo na carreira. Pelo menos é isso que normalmente acontece com quem estuda onde eu fiz faculdade. Mas quem disse que as coisas são normais na minha vida?

Não sei da vida de todo mundo que estudou comigo, mas sei que a grande maioria está em cargos de destaque em grandes empresas ou faculdades. Alguns até fundaram empresas que hoje são sucesso e todo mundo fala. Esse é o caminho natural de quem estuda onde eu estudei. Não para mim.

Desde o primeiro semestre eu já trabalhava, pois era como conseguia me manter numa cidade longe da família. Mas era um trabalho na própria faculdade e isso não atrapalhava meu tempo para estudar. No segundo ano, me envolvi com atividades estudantis não-remuneradas. Apesar de não ganhar dinheiro, aprendi muito sobre postura profissional e fiz uma rede de contatos que tenho até hoje. 

Qual foi o problema então?

O problema, como em qualquer coisa na vida, foi o excesso. Eu estava mais comprometido com essas atividades do que com as aulas e isso explica porque demorei tanto a me formar. Teve um semestre que eu fiz apenas 10% dos créditos de disciplinas esperadas no semestre. Além disso, como acabei tendo uma posição de destaque nessa atividade, eu procurava me dedicar mais do que todo mundo apenas para mostrar que eu era o melhor. Não tinha esse tipo de medida, mas eu gostava de pensar que eu era o destaque.

No terceiro ano de faculdade, eu comecei um estágio remunerado na minha área e ainda mantinha essas atividades estudantis. Que tempo sobrava para estudar? Nenhum.

Neste estágio eu logo me desenvolvi muito rápido e alcancei uma certa posição de destaque na empresa. Ali meu espírito competitivo também estava presente e eu não queria perder meu destaque quando outros "competidores" entraram na empresa quando ela cresceu. Então tentava fazer o máximo possível e sofria porque não conseguia ser o mesmo destaque de antes, quando a empresa era pequena. Ao mesmo tempo, eu estava no meu "casamento" conturbado e isso de certa forma afetava meu desempenho profissional.

Naquela época muitos colegas estavam abrindo empresas. Era o boom dos negócios de Internet no Brasil e logo surgiram possibilidades para mim também. Eu estava tão apegado a ideia de ter uma posição de destaque que não pensei duas vezes quando surgiu a oportunidade de abrir uma empresa com outros colegas. Na nova empresa eu seria um dos donos e isso fazia bem para a minha vaidade, já que no estágio que eu estava não tinha mais esse destaque.

Então larguei uma empresa que me pagava razoavelmente bem e fui abrir a minha. Quando olho para trás, vejo que essa foi uma das minhas grandes burradas. Enquanto meus sócios tinham uma certa reserva financeira, eu comecei na empresa nova sem nada no bolso. Ou seja, saí de uma situação que tinha salário para outra que não sabia quando ia ter salário. A vaidade me deixou tão cego que não fiz as contas simples que qualquer pessoa faria na situação.

Enquanto isso, boa parte dos meus colegas de turma estavam crescendo em seus empregos ou arrumando outros melhores. Para muitos deles já estava perto do final do curso e era mais fácil conseguir bons empregos. Não para mim, pois estive tão envolvido em atividades extracurriculares que me formaria dois anos depois dos outros.

O primeiro ano da empresa foi bem complicado. Os trabalhos que pegamos estavam demorando a nos pagar e as contas não paravam de acumular. Nesse ano eu recebi o primeiro aviso de despejo da minha vida e as coisas estavam muito ruins. 

Ainda era uma época que era fácil conseguir outro estágio, já que as exigências para estagiários é bem menor do que empregados. Bom, pelo menos era assim antigamente. E estudar numa instituição de ponta abria muitas portas para mim. Mas, mesmo assim, nem passava pela minha cabeça fechar a empresa e voltar a ter salário.

No final do primeiro ano, meus outros sócios, quase que ao mesmo tempo, decidiram sair da empresa. Suas reservas financeiras tinham acabado e fica difícil recusar ofertas de trabalho numa situação dessa. Vejo muitas histórias de empreendedores, mas normalmente as coisas são muito romantizadas. Na prática, sem ter um respaldo, era natural que meus sócios não resistissem às ofertas que apareciam, já que nossa empresa mal tinha rendimentos e as coisas não estavam dando certo.

Qual seria a escolha natural ali? Fazer o mesmo que meus sócios e voltar para o mercado de trabalho. Mas aí não seria eu, né?

Então, resolvi continuar com a empresa só eu. Na minha cabeça, bastava eu terminar os projetos pendentes e o dinheiro que entrasse seria suficiente. Além disso, contava o fato de que eu não queria assumir que tinha fracassado e não queria sair da posição de dono para voltar a ser um estagiário. 

Assim a empresa continuou por mais 11 anos, comigo lutando sozinho boa parte do tempo para ter projetos. Na melhor época, cheguei a ter quase 10 estagiários. Nos últimos 6 anos da empresa, quando as coisas fracassaram de novo, a empresa voltou a ser só eu, sem escritório e comigo trabalhando de casa ou atuando em clientes. Em um cliente cheguei a ficar por 3 anos diariamente, era quase como um emprego.

O fato é que fora esses 3 anos, a maior parte do tempo a empresa era só aperto financeiro. Eu mal conseguia pagar minhas contas e deixei de pagar impostos. Entre pagar o aluguel/comer e o imposto, era uma escolha muito fácil. Foram muitos anos vivendo assim e até hoje estou pagando todas as dívidas que eu fiz nessa época.

Por que não fechei então?

Estava tão apegado a ideia de ser dono, de ser destaque, que não enxergava o óbvio: assim como meu casamento, a empresa iria naufragar mais cedo ou mais tarde. Eu não queria admitir que tinha fracassado e ainda queria ser o "dono". Quando estive no momento mais terrível da minha vida, parei com tudo e voltei ao mercado de trabalho. Mas aí o prejuízo já tinha sido muito grande, não só financeiro.

Com esses anos todos tentando fazer a empresa funcionar, eu envelheci e o pior: fiquei desatualizado. Isso na minha área é fatal. Se quando estava na faculdade era fácil conseguir estágio, com 36 anos de vida e desatualizado nas tecnologias tudo era mais difícil para mim. 

Fiquei tão apegado a ideia de ser empresário que descuidei de tudo. Uma pessoa muito sábia me disse, bem no início da minha empresa, que eu não deveria deixar de lado a minha empregabilidade. Mas o apego a um navio afundando me fez esquecer desse conselho. Resultado: tinha 36 anos de idade quando parei com a empresa, com inglês básico e bastante desatualizado na minha área.

Pago até hoje o preço dessas escolhas erradas. A dívida em si vai ser quitada logo, mas afundei minha possibilidade de ter uma carreira. Com mais de 40 anos de idade, o tempo parece que passa mais rápido, o corpo e a cabeça não são mais os mesmos e não tenho uma reserva material que me sustente. 

Então, se eu pudesse voltar atrás, teria fechado a empresa lá no primeiro ano e saído junto com meus sócios. Ou teria fechado quando tive que escolher entre pagar as contas de casa ou da empresa.

O sonho de ter uma empresa de sucesso é muito bonito naquelas palestras de Tedx ou postagens no LinkedIn. Alguns de fato conseguem chegar lá, mas a maioria não vai chegar.  Não diria para as pessoas deixarem os sonhos de lado, mas equilibrar com o pragmatismo de quem tem contas para pagar e não é rico.

No meu caso, o apego me deixou cego para a realidade naquela época e agora aqui estou eu, preocupado como irei me manter quando eu for idoso.






segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Se eu pudesse voltar atrás (1)

Nem sempre minhas postagens são em momentos de ansiedade ou quando preciso botar algo pra fora. Às vezes são só divagações mesmo, embora nem sempre venha aqui colocar no "papel" quando estou nas reflexões sobre a minha vida.

Estava assistindo um episódio de This is Us em que um dos personagens fica imaginando cenários da sua vida se tivesse tomando uma certa decisão em relação ao seu pai. Lembrei do que escrevi sobre desejar às vezes que isso tudo fosse um sonho ruim e pudesse acordar para fazer a escolha certa, tal como acontece em alguns filmes. 

Tem tantas coisas que gostaria de poder voltar atrás e fazer diferente. Muitas delas têm a ver com relacionamentos e hoje lembrei de uma ex. Na verdade, tenho lembrado dela às vezes e tive a curiosidade de pesquisar sobre ela nas redes para saber como ela está.

Ela foi minha primeira namorada, então já faz um certo tempo. Foi a primeira com quem tive relações sexuais e chegamos a morar juntos. Acho que no total foram quase 4 anos juntos e estávamos ainda na faculdade. Eu também fui o primeiro dela e acho que muito dos sentimentos de culpa que sinto tem a ver com ela. Por outro lado, tem muito a ver com o mal que eu fiz a mim mesmo pelo terrível sentimento do apego.

A falta de amor próprio e baixa confiança em mim mesmo vem de muito longe. E isso tornou nosso relacionamento muito ruim em vários momentos. Eu tinha muito ciúme dela e sempre achava que ela iria se interessar por outra pessoa ou que alguém iria dar em cima dela e ela iria preferir essa pessoa. Morria de medo de ser traído. Estávamos em um curso em que ela era uma das poucas mulheres e isso aumentava ainda mais a minha insegurança.

Lembro que toda vez que ela saía sem mim, quando voltava pra cidade dela, eu ficava sofrendo muito imaginando que alguém iria dar em cima dela e ela não resistiria. Além de ter dificuldade em confiar nela, achava que qualquer pessoa seria mais interessante do que eu. Mas não a culpo, o problema da falta de confiança era só meu. 

Nunca fui de fazer escândalo por causa de ciúmes, o meu jeito era ficar com cara de emburrado até ela perguntar o que eu tinha. E aí vinham as discussões. Era tão insano que, quando ela saía na cidade dela, mesmo em compromissos familiares, eu pedia para ela me ligar quando chegasse. Chegou num ponto que fui procurar terapia no serviço da faculdade. Nesse ponto sou grato, já que conheci a psico que me acompanhou por uns anos e fez muito por mim.

Além das discussões que aconteciam por causa do meu ciúme, ela me dava vários sinais que aquele relacionamento não teria vida longa. E eu não estava satisfeito com o que tínhamos, mas nunca tive coragem de terminar. Achava que era melhor estar assim do que voltar para a vida de ir para baladas e não conseguir me aproximar de ninguém, vendo meus amigos ficarem com alguém e eu passando em branco.

Na época do primeiro término, ela me escreveu uma carta, mesmo a gente morando junto. Felizmente lembro pouco dessa carta, mas ela falava que queria experimentar outras coisas, que era muito nova para estar presa. A parte que me mais doeu, e nunca esqueci disso, foi quando ela se referiu a características físicas minhas que, mesmo eu melhorasse, ainda assim ela não se sentiria atraída por mim. Em resumo: me chamou de feio de maneira delicada.

Aí ela terminou comigo e separamos de casa. Lembro que sofri muito e até chegava a acessar o email dela para saber o que ela estava fazendo. Quando li que ela ficou com um cara eu fiquei muito mal. Mas isso me ensinou que acessar dados dos outros é uma coisa muito errada. Depois disso, nunca mais quis saber senha de ninguém e nunca deixei que acessassem as minhas coisas.

Passamos uns dois meses separados e acabamos voltando. Acho que tínhamos nos acostumado um com o outro e carência deve ter batido para ela. Como eu era a opção disponível e ainda gostava dela, não me importei com tudo o que passamos no nosso término. Olhando pra trás, com tudo o que ela falou pra mim naquela término, eu nunca deveria ter voltado. Não por rancor, mas por saber que, apesar das palavras cruéis, ela foi muito sincera naquela carta. Logo, eu não tinha ficado bonito dois meses depois e ela continuava sem ter todas as experiências que gostaria de ter tido como solteira.

Quando voltamos, as coisas não mudaram muito. Não morar junto era bom, mas as crises de ciúme persistiam e ela reclamava às vezes que a vida tava passando sem poder aproveitar as coisas. Eu enxergava que aquilo ali não ia dar certo mesmo, mas continuava sem coragem de terminar. Penso em como teria aproveitado melhor a vida universitária se não estivesse tanto tempo preso num relacionamento que eu mesmo sabia que não tinha futuro. 

Mas não tinha coragem de dar o passo e coube a ela mais uma vez fazer o favor de terminar tudo. Eu sofri nesse término também, mas me sentia mais aliviado e não demorei muito para seguir em frente. Depois de um mês, eu já estava ficando com outras pessoas. Aliás, foi meu único momento da vida que fui o "pegador". Tudo bem que isso é um final de semana fraco para a maior parte dos caras, mas três ficadas em 2 meses era um super recorde pra mim. Isso foi uns meses antes de "conhecer" aquela que eu considero a mulher que mais amei na vida.

Eu sou muito grato com ela nesse nosso "casamento". Ela foi uma grande amiga, me ajudou em momentos muito difíceis da minha vida e sua família me acolheu de uma forma muito especial. No fim, acho que foi isso: grandes amigos que transavam às vezes.

Mas me arrependo de ter enchido tanto a paciência dela com meu ciúme. Queria ser uma pessoa mais confiante nos outros e em mim, principalmente. Me arrependo de decepcionar os pais dela quando descobriram que transamos e que estávamos morando juntos. Se soubesse que o que sei hoje, nunca teria topado morar junto sem estar num relacionamento firme. E também por gastar o que não podia para manter uma vida a dois.

Se pudesse voltar atrás, também teria terminado em todas às vezes que eu senti que aquilo não daria certo, que eu era apenas uma opção cômoda. Lamento ter me fechado no relacionamento com ela e não ter curtido meus amigos de faculdade. Ela nunca me impediu disso, eu é que não queria desgrudar dela por causa do meu ciúme.

Quando leio sobre relacionamentos tóxicos, penso no quanto mal eu fiz para ela. Sei também que fui maltratado muitas vezes, mas só posso me arrepender dos meus atos. Nunca cometi agressão nenhuma, nem verbal. Mas tenho certeza que minha cara emburrada de ciúme tirava ela do sério e minha necessidade de ter notícias dela a todo momento a sufocavam muito.

Se eu pudesse voltar atrás, tenho certeza que nosso relacionamento não teria continuado. Só que nós dois teríamos anos mais felizes e eu teria histórias boas para contar dos meus anos de faculdade.

sábado, 2 de outubro de 2021

Culpa e viver no passado

Falei numa postagem o quanto eu gostaria de estar no presente. Eu vou passando meus dias apenas empurrando com a barriga e acho que isso acontece porque não consigo seguir em frente. Seguir em frente, na minha opinião, significa desapegar e isso para mim é muito difícil. Eu esqueço às vezes, mas não desapego.

Acho que culpa tem muito a ver com isso. A gente não consegue se perdoar e continua a carregar essa bagagem por muito tempo. Às vezes essa bagagem é tão pesada que nos impede de ir em frente e aí ficamos no mesmo lugar. Assim parece que sou eu e sou lembrado disso a cada vez que vejo como minha vida é anormal. Me questionei sobre isso em postagens anteriores sobre a relação entre não ser normal e eventuais castigos do Universo.

Semanas atrás estava vendo vídeos sobre culpa, sobre se perdoar, porque estava buscando orientação sobre isso. Tem horas que fica impossível ignorar a culpa e me bate uma angústia tão grande. Não há remédio que cure isso, no máximo me desligar por algumas horas para não sentir isso.

Essa pandemia é um inferno e para pessoas como eu tem sido mais difícil ainda. Por outro lado, estar tanto tempo isolado tem me colocado ainda mais em contato com toda essa bagagem e isso talvez possa ter seus benefícios. Ter contato com essas reflexões talvez seja uma forma de finalmente me tratar.

Não sei se foi Chico Xavier que disse, mas penso naquela frase mais ou menos assim: "não se pode fazer um novo começo, mas se pode fazer um novo fim".

Independente do contexto em que foi dita, a frase tem muito a ver com a questão da culpa e se perdoar. Infelizmente minha vida não é aqueles filmes que você acorda e vê que estava num pesadelo, tendo a chance de fazer a escolha certa dessa vez. Logo, não consigo apagar todas as escolhas erradas que fiz, isso é claro para mim. O que gostaria é de poder seguir em frente e trabalhar no "novo fim". 

Sofro tanto por causa das escolhas erradas e não consigo me perdoar. Essas bagagens alugam tanto espaço na minha mente que talvez o meu verdadeiro castigo seja conviver com elas.