Li, num livro sobre budismo, que a principal causa do sofrimento é o apego. Olhando para trás na minha vida, vejo o quanto essa afirmação encontra fatos que a corroborem. Apego nem sempre tem a ver com pessoas ou coisas, mas pode até estar relacionado a uma posição profissional, um "nome", etc. Na questão profissional, o apego não me trouxe apenas sofrimento, mas uma dívida imensa que eu pago até hoje e que estará comigo por mais uns dois anos.
No início da vida profissional de quem vai para a faculdade o normal é começar aos poucos, com estágios nos quais vamos adquirindo experiência. Depois disso, aparecem empregos melhores e cada um pode ir subindo na carreira. Pelo menos é isso que normalmente acontece com quem estuda onde eu fiz faculdade. Mas quem disse que as coisas são normais na minha vida?
Não sei da vida de todo mundo que estudou comigo, mas sei que a grande maioria está em cargos de destaque em grandes empresas ou faculdades. Alguns até fundaram empresas que hoje são sucesso e todo mundo fala. Esse é o caminho natural de quem estuda onde eu estudei. Não para mim.
Desde o primeiro semestre eu já trabalhava, pois era como conseguia me manter numa cidade longe da família. Mas era um trabalho na própria faculdade e isso não atrapalhava meu tempo para estudar. No segundo ano, me envolvi com atividades estudantis não-remuneradas. Apesar de não ganhar dinheiro, aprendi muito sobre postura profissional e fiz uma rede de contatos que tenho até hoje.
Qual foi o problema então?
O problema, como em qualquer coisa na vida, foi o excesso. Eu estava mais comprometido com essas atividades do que com as aulas e isso explica porque demorei tanto a me formar. Teve um semestre que eu fiz apenas 10% dos créditos de disciplinas esperadas no semestre. Além disso, como acabei tendo uma posição de destaque nessa atividade, eu procurava me dedicar mais do que todo mundo apenas para mostrar que eu era o melhor. Não tinha esse tipo de medida, mas eu gostava de pensar que eu era o destaque.
No terceiro ano de faculdade, eu comecei um estágio remunerado na minha área e ainda mantinha essas atividades estudantis. Que tempo sobrava para estudar? Nenhum.
Neste estágio eu logo me desenvolvi muito rápido e alcancei uma certa posição de destaque na empresa. Ali meu espírito competitivo também estava presente e eu não queria perder meu destaque quando outros "competidores" entraram na empresa quando ela cresceu. Então tentava fazer o máximo possível e sofria porque não conseguia ser o mesmo destaque de antes, quando a empresa era pequena. Ao mesmo tempo, eu estava no meu "casamento" conturbado e isso de certa forma afetava meu desempenho profissional.
Naquela época muitos colegas estavam abrindo empresas. Era o boom dos negócios de Internet no Brasil e logo surgiram possibilidades para mim também. Eu estava tão apegado a ideia de ter uma posição de destaque que não pensei duas vezes quando surgiu a oportunidade de abrir uma empresa com outros colegas. Na nova empresa eu seria um dos donos e isso fazia bem para a minha vaidade, já que no estágio que eu estava não tinha mais esse destaque.
Então larguei uma empresa que me pagava razoavelmente bem e fui abrir a minha. Quando olho para trás, vejo que essa foi uma das minhas grandes burradas. Enquanto meus sócios tinham uma certa reserva financeira, eu comecei na empresa nova sem nada no bolso. Ou seja, saí de uma situação que tinha salário para outra que não sabia quando ia ter salário. A vaidade me deixou tão cego que não fiz as contas simples que qualquer pessoa faria na situação.
Enquanto isso, boa parte dos meus colegas de turma estavam crescendo em seus empregos ou arrumando outros melhores. Para muitos deles já estava perto do final do curso e era mais fácil conseguir bons empregos. Não para mim, pois estive tão envolvido em atividades extracurriculares que me formaria dois anos depois dos outros.
O primeiro ano da empresa foi bem complicado. Os trabalhos que pegamos estavam demorando a nos pagar e as contas não paravam de acumular. Nesse ano eu recebi o primeiro aviso de despejo da minha vida e as coisas estavam muito ruins.
Ainda era uma época que era fácil conseguir outro estágio, já que as exigências para estagiários é bem menor do que empregados. Bom, pelo menos era assim antigamente. E estudar numa instituição de ponta abria muitas portas para mim. Mas, mesmo assim, nem passava pela minha cabeça fechar a empresa e voltar a ter salário.
No final do primeiro ano, meus outros sócios, quase que ao mesmo tempo, decidiram sair da empresa. Suas reservas financeiras tinham acabado e fica difícil recusar ofertas de trabalho numa situação dessa. Vejo muitas histórias de empreendedores, mas normalmente as coisas são muito romantizadas. Na prática, sem ter um respaldo, era natural que meus sócios não resistissem às ofertas que apareciam, já que nossa empresa mal tinha rendimentos e as coisas não estavam dando certo.
Qual seria a escolha natural ali? Fazer o mesmo que meus sócios e voltar para o mercado de trabalho. Mas aí não seria eu, né?
Então, resolvi continuar com a empresa só eu. Na minha cabeça, bastava eu terminar os projetos pendentes e o dinheiro que entrasse seria suficiente. Além disso, contava o fato de que eu não queria assumir que tinha fracassado e não queria sair da posição de dono para voltar a ser um estagiário.
Assim a empresa continuou por mais 11 anos, comigo lutando sozinho boa parte do tempo para ter projetos. Na melhor época, cheguei a ter quase 10 estagiários. Nos últimos 6 anos da empresa, quando as coisas fracassaram de novo, a empresa voltou a ser só eu, sem escritório e comigo trabalhando de casa ou atuando em clientes. Em um cliente cheguei a ficar por 3 anos diariamente, era quase como um emprego.
O fato é que fora esses 3 anos, a maior parte do tempo a empresa era só aperto financeiro. Eu mal conseguia pagar minhas contas e deixei de pagar impostos. Entre pagar o aluguel/comer e o imposto, era uma escolha muito fácil. Foram muitos anos vivendo assim e até hoje estou pagando todas as dívidas que eu fiz nessa época.
Por que não fechei então?
Estava tão apegado a ideia de ser dono, de ser destaque, que não enxergava o óbvio: assim como meu casamento, a empresa iria naufragar mais cedo ou mais tarde. Eu não queria admitir que tinha fracassado e ainda queria ser o "dono". Quando estive no momento mais terrível da minha vida, parei com tudo e voltei ao mercado de trabalho. Mas aí o prejuízo já tinha sido muito grande, não só financeiro.
Com esses anos todos tentando fazer a empresa funcionar, eu envelheci e o pior: fiquei desatualizado. Isso na minha área é fatal. Se quando estava na faculdade era fácil conseguir estágio, com 36 anos de vida e desatualizado nas tecnologias tudo era mais difícil para mim.
Fiquei tão apegado a ideia de ser empresário que descuidei de tudo. Uma pessoa muito sábia me disse, bem no início da minha empresa, que eu não deveria deixar de lado a minha empregabilidade. Mas o apego a um navio afundando me fez esquecer desse conselho. Resultado: tinha 36 anos de idade quando parei com a empresa, com inglês básico e bastante desatualizado na minha área.
Pago até hoje o preço dessas escolhas erradas. A dívida em si vai ser quitada logo, mas afundei minha possibilidade de ter uma carreira. Com mais de 40 anos de idade, o tempo parece que passa mais rápido, o corpo e a cabeça não são mais os mesmos e não tenho uma reserva material que me sustente.
Então, se eu pudesse voltar atrás, teria fechado a empresa lá no primeiro ano e saído junto com meus sócios. Ou teria fechado quando tive que escolher entre pagar as contas de casa ou da empresa.
O sonho de ter uma empresa de sucesso é muito bonito naquelas palestras de Tedx ou postagens no LinkedIn. Alguns de fato conseguem chegar lá, mas a maioria não vai chegar. Não diria para as pessoas deixarem os sonhos de lado, mas equilibrar com o pragmatismo de quem tem contas para pagar e não é rico.
No meu caso, o apego me deixou cego para a realidade naquela época e agora aqui estou eu, preocupado como irei me manter quando eu for idoso.
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